O livro espírita, no Brasil, é sucesso absoluto. Em toda feira que aparece ganha destaque. Um exemplo disto é a 33ª feira do livro espírita de São Carlos, em Novembro, onde mais de 7.740 livros foram vendidos em poucos dias.
Para se ter uma idéia da grande quantidade de obras disponíveis no mercado, o site candeia, por exemplo, possui mais de sete mil títulos no acervo. Com tantas obras, Como avaliar um livro espírita? Como saber se determinado livro é confiável? Etc.
São questões importantes, sem dúvidas. Numa enquete, há uma pergunta mais ou menos assim: Devemos averiguar as obras psicografadas para saber se são verdadeiras? – É uma questão intrigante e que, eventualmente, surge em minhas idéias.
A princípio – talvez – respondesse SIM de imediato. Mas, examinado a questão a fundo, esbarramos em alguns entraves... Quem faria este exame? Quais seriam os critérios utilizados? O que aconteceria com os livros que fossem “reprovados”?
O método utilizado por Kardec pode ser resumido na sigla CUEE, que significa: Controle Universal do Ensino dos Espíritos. Em resumo, este controle se dá quando diversos espíritos (Superiores), através de diversos médiuns, sem contato, dizem mais ou menos as mesmas coisas sobre os mesmos assuntos.
Em tese, este controle garante maior confiabilidade e unidade de idéias, o que dá força e corpo à Doutrina. Assim surgiu o Espiritismo. No entanto, mesmo este sistema apresenta algumas dificuldades: Que provas há de que foi feito? – Nenhuma. Quem garante que os médiuns eram confiáveis ou mesmo os espíritos Superiores? Ninguém. Não temos registros históricos sobre este processo, somente o relato unilateral de Kardec.
Cabe ressaltar que embora excelente, o método não era perfeito e Kardec não endossava a imutabilidade dos ensinos, sugerindo, inclusive, revisões periódicas. [1]
Se com todo este curioso e interessante aparato, inclusive, filtrado pela razão, como feedback ao esforço dos espíritos, não há uma relação perfeita de ensino/aprendizagem, que dirá dos livros que são lançados, muitos, sem controle algum?
É isto mesmo, estamos num mar de informações praticamente indistinguíveis e sem solução [momentânea] de continuidade.
Voltando à enquete... Gostei bastante da primeira parte da questão proposta: Devemos averiguar os livros?
Eu diria em alto e bom tom que SIM! Kardec, pensando na problemática da continuidade, propõe em Obras Póstumas um sistema bastante simples e eficaz de organização, ao tratar de uma ‘Comissão Central’, entre os quais teria por objetivo [2]:
2º O estudo dos princípios novos, suscetíveis de entrar no corpo da Doutrina;
Ou seja, antes de uma nova idéia ser aceita ou uma velha descartada, seria preciso que uma comissão avaliasse e, mais, que elevasse o debate através dos congressos, onde haveria a decisão.
Acho uma idéia excelente e é isto mesmo que eu gostaria de ver nos congressos. Fiquei desapontado quando observei que o 3º Congresso Espírita Brasileiro giraria em torno da memória de Chico Xavier... Nada contra Chico Xavier, suas obras ou sua memória. Penso que se pode, plenamente, organizar eventos para isto.
No entanto, com tantos escritores, pensadores e médiuns, por que não reuni-los para pensar sobre questões importantes no Espiritismo como os princípios novos que chegam?
Aliás, o papel das entidades organizadoras do Movimento Espírita passa longe daquele idealizado por Kardec como primeiro atributo desta “Comissão Central”, que é:
1º O cuidado dos interesses da Doutrina e a sua propagação; a manutenção de sua utilidade pela conservação da integridade dos princípios reconhecidos; o desenvolvimento de suas conseqüências; [2]
O que vemos é um interesse mercadológico já sem medo de se ocultar...
A segunda parte da questão, na enquete, não me deixou tão entusiasmado quanto à primeira. Se por um lado penso ser extremamente útil e necessário que haja congressos que tratem, realmente, dos princípios espíritas e da formação de uma comissão ou comissões diretriz (es) sobre o Espiritismo, por outro, não vejo necessidade da chancela da VERDADE nos exames, explico.
Quando, na enquete, se pergunta: (...) para sabermos se é verdadeira? Estamos caminhando num precipício muito perigoso e que pode envolver um jogo de interesses obscuros que [opinião] existe e impera há tempos no Movimento Espírita.
Não temos nenhuma garantia da VERDADE dos ensinos ou princípios espíritas, de Kardec, Chico Xavier ou qualquer outro. Temos um sistema de crenças e um método para aferição do conhecimento espírita. Isto em nada os desmerece, mas é preciso distinguir o que são crenças de fatos científicos.
Por fim, penso que as “comissões”, “federações”, “uniões” espíritas, devem, sim, fazer um exame de determinadas idéias e obras, mediúnicas ou não, e emitir seu parecer, sem a chancela da verdade absoluta, mas a de uma diretriz filosófica/doutrinária e NUNCA em tom de censura.
Se, por um lado, devemos zelar pelos princípios do Espiritismo; por outro, não podemos – como dizia a propaganda – deixar o monstro da censura acordar. O fato de julgarmos uma obra em desacordo com os princípios espíritas não a impede de ser apreciada por outra pessoa.
“Mas qual será a extensão do círculo de atividade desse centro? Está destinado a reger o mundo, e a tornar-se o árbitro universal da verdade? Se tivesse essa pretensão, isso seria mal compreender o espírito do Espiritismo que, por isso mesmo, proclama os princípios do livre exame e da liberdade de consciência, repudia o pensamento de se erigir em autocracia; desde o início, entraria num caminho fatal”. Allan Kardec.
[1] – Obras Póstumas – Allan Kardec – VII – Os Estatutos Constitutivos.
[2] – Obras Póstumas – Allan Kardec – IV – Comissão Central.
Entendo que mesmo uma obra tida como “absurdamente anti-doutrinária” deve ser lida e apreciada em seu contexto e valor, refutada com argumentos lógicos, doutrinários e nunca com argumentos de autoridade, “ad hominem” ou de apelo ao povo.