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De tudo que já li e pesquisei, nada me abalou mais do que saber que a palavra Espiritismo não foi criada por Kardec, como conta a tradição oral espírita. Não me consta (realmente não me lembro) de nenhuma passagem onde ele tenha se colocado como seu autor... Mas, também não me lembro de nenhuma outra onde ele tenha atribuído a sua origem.

Na introdução de O Livro dos Espíritos, onde se fala sobre o termo, somos levados, naturalmente, a pressupor que tenha ele sido o autor da palavra.

Uma postagem quase esquecida, publicada em 14/02/10 na lista da CEPA (Confederação Espírita Pan-Americana) por, Vitor Moura, contendo trechos de um livro que está sendo preparado (e, ao que parece, terá distribuição gratuita) por um senhor identificado como JCFF (que não conheço) faz uma simples comparação lingüística ao mesmo tempo em que aponta dois livros de 1854 (portanto, três anos antes do primeiro livro espírita) em que o termo espiritismo é grafado diversas vezes. Vejam:

"A origem do nome não é de Kardec, sequer francesa. A própria forma do vocábulo (spiritisme) tenderia a sugerir ligação com o inglês spirit, não com o francês esprit. De fato, Manfred Höfler, em seuDictionnaire d'Anglicismes, Paris, Larousse, 1982, explicitamente considera spiritisme como um empréstimo da forma inglesa spiritism. E, com efeito, a palavra é citada, como termo conhecido, e já com sua atual acepção, na obra anti-espírita de Orestes Augustus Brownson (1803 – 1876), The Spirit-Rapper: an Autobiography (Boston, Little, Brown & Company, 1854), págs. 293-94; a citação é suficientemente valiosa para ser exibida in extenso (o termo encontra-se propositalmente grifado, pelo autor deste trabalho):

“You are necromancers, diviners with the spirits of the dead. Necromancers are almost as old as history. We find them alluded to in Genesis. Moses forbids necromancy, or the evocation of the dead, and commands that necromancers shall be put to death. In all ancient and modern pagan nations, necromancy is found to be a very common species of divination. The African magicians found at Cairo practice it even at the present time, as we find testified to by an English nobleman and a French academician, though by a seeing medium, not, as is the case with you, by rapping, talking and writing mediums. The famous Count de Cagliostro, or rather Giuseppo Balsamo, at the close of the last century, professed to enable persons of distinction to converse with the spirits of eminent individuals, long since dead; and evocation of the dead has long been practiced at Paris by students of the University. You are real diviners, attempting, by means of evoking the dead, to divine secrets, whether of the past or the future, unknown to the living. You practice what the world has always called divination, and that species of divination called necromancy.Thus far, all is plain, certain, undeniable, and therefore you do that which the Christian world has always held to be unlawful, and a dealing with the devils. This, however, is nothing to you, for you place the authority of the spirits above that of Jesus Christ, and do not hesitate to make Christianity give place to spiritism. But what I wish you to tell me is, the evidence on which you assert that the invading or communicating spirits are really the souls of men and women who once lived in the flesh?”

O mesmo ocorre numa outra obra do mesmo ano de 1854, o Apocatastasis, or Progress Backwards, de Leonard Marsh (1800 – 1870), da Universidade de Vermont, editado em Burlington por Chauncey Goodrich. Nessa obra, o autor se esforça por mostrar que todos os “portentos” do new spiritualism (que ele chama spiritism) não passam de decalques de fenômenos análogos da Antigüidade e que, portanto, nada havia de “novo” nele. Ao longo do livro o termo “spiritism” ocorre dez vezes; como exemplo, no início do capítulo VI, págs. 64-65, onde ele ocorre duas vezes, lê-se (igualmente grifado pelo autor deste trabalho):


“Let us next examine some other facts of the ancient Spiritism, of a somewhat different character, and see whether they also are sufficiently analogous to those of the presentSpiritism to prove their apocatastatical relation to each other. The first quotation which I shall bring forward, I desire to make use of for a double purpose, viz: as a specimen of spirit-writing, and of that quality of certain ancient waters, which conferred the power of divination, and induced the clairvoyant state, a quality, in this respect, precisely like that of magnetized water in our time. The ancient spirits, so far as I have hitherto ascertained, were not accustomed to make use of the Medium’s hand for writing communications, except in the case of the poet, who was supposed to be the writing-medium and amanuensis of the Muses; and with one other remarkable exception viz:  that of the Sybils. These ladies were a sort of female hermits, who lived in forests, mountains, and caves, in various places and countries, and gave responses in writing to those who consulted them (…)”

Sem se levar em conta as linhas de argumentação de Brownson e de Marsh, o fato é que, em1854, nos Estados Unidos (três anos antes da publicação do Livro dos Espíritos de Kardec, onde o termo pretensamente teria vindo a público pela primeira vez), a palavra spiritism já era um mote comum (e, provavelmente, com uma conotação depreciativa) para se referir aos fenômenos do new spiritualism. Não admira que o termo tenha sido rejeitado pelos adeptos da nova filosofia – e, em língua inglesa, o que em Português se denomina “espiritismo” é, ainda hoje, usualmente denominado pela expressão mais respeitável new spiritualism, ou simplesmente spiritualism. O nome spiritism cruzou o Atlântico juntamente com os médiuns e os fenômenos, e acabou por ser adotado por Kardec, numa forma afrancesada (spiritisme), para designar a “nova revelação”.

Comentário:

A fim de confirmar tal informação, um membro da lista, conseguiu achar a versão online dos livros:

The Spirit-Rapper (em que se pode ler na segunda página o ano de publicação: 1854). Na página 294, o termo "spiritism" (Espiritismo), pode ser visto usando o mecanismo de busca ao lado do livro, em:


E o livro: The Apocatastasis (em que se pode ler na primeira página o ano de publicação: 1854). Ao contrário do livro anterior que, ao que parece, possui apenas uma citação do termo (o que por si só já é suficiente para confirmar a tese do autor), neste, o termo aparece muitas vezes, como nas páginas: 64, 86, 101, 112, 155, 197, etc., em:



Como destacado pelo autor, a interpretação do Espiritismo nestes livros parece bem distanciada daquela que conhecemos hoje. Porém, as evidências são robustas o suficiente para se poder afirmar que Kardec não cunhou o termo Espiritismo.

Talvez alguns se perguntem qual a utilidade desta informação. Isto, no entanto, deixo para cada um pesar na própria balança.


Legendas:


1 - O texto em itálico é a reprodução do que foi exposto na lista;
2 - O texto em destaque e em vermelho é um recorte dos referidos livros.


Texto publicado com a autorização de Vitor Moura.

Comments (5)

Quanto mais eu tento formatar, mais estranho fica. Vai entender...

Oi, Leonardo!

Acho que você vai se surpreender com o livro "Spirit-Rapping Unveiled!" de 1853 onde, além do uso do termo 'spiritism', você vai encontrar teorias similares às do espiritismo de Kardec. Sobre isso escrevi um post no Divagando:

http://divagando-hipotese-espirita.blogspot.com/2010/03/o-novo-espiritualismo.html

Um outro detalhe interessante é que o livro do Brownson faz parte do "catálogo racional para formar uma biblioteca espírita" escrito por Kardec (porém com data de 1862).

Abraço!

Olá, Vital.

Grato pela informação, já estou acessando seu blog. Como eu gostaria de poder ler estes livros! Mas, e o que você acha sobre isto tudo? Por que Kardec não menciona a origem do termo?

Cunhar
v.t. Imprimir o cunho em.
Amoedar: cunhar ouro.
Inventar.
Tornar saliente, notável.

Pessoalmente, penso que, conquanto de fato não o tenha CRIADO - apenas o 'criou'na língua francesa -, Kardec CUNHOU o termo sim, porque foi em associação à doutrina por ele sistematizada que este se tornou notável, se consagrou internacionalmente, assumiu viés de identificação para um determinado grupo. Prova disso está em textos de neoespiritualistas, como Aksakof, criticando o Espiritismo, considerando o termo plenamente identificável com a doutrina que surgiu na França, bem como na obra de Conan Doyle, onde ele estabelece distinção clara entre a filosofia espírita e o Espiritualismo Moderno em geral. Eles próprios, os adeptos, não apreciavam o termo, que não 'vingou', como o próprio artigo aqui genuinamente expõe, portanto não vejo razão para nenhum alarde quanto a isso.Nenhum autor norte-americano escreveu obras quais as de Allan Kardec.

Lucas,

Tem razão. O termo CRIAR era mesmo o que eu queria dizer. De qualquer forma, a ideia que se tem e que é repassada é de que a palavra foi CRIADA por Kardec. Ante os fatos, sabemos que não é verdade.

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