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Os Fenômenos Supranormais

Reportagem de Hellen

Os meios médicos de S. Paulo interessaram-se muito pelas pesquisas que o Dr. Osório César andou fazendo nos domínios do supranormal. As pesquisas, entretanto, repercutiram fora do ambiente médico. Sabia-se que o distinto anátomo-patologista do Hospital do Juqueri, reunia em seu apartamento da Avenida S. João, uma vez por semana, amigos estudiosos dos fenômenos mediúnicos. Sabia-se que um distinto médium Paranaese proporcionara ao círculo interessantíssimos casos de incorporação. O Dr. Osório fez diversas comunicações à Associação de Medicina e proferiu conferências, depois, o silêncio.

Existe uma grande curiosidade em torno das conclusões a que teria chegado o médico psiquiatra. Os espíritas discutem as apresentações feitas por Osório César como manifestações insofismáveis de outro mundo; os materialistas vêem nelas apoio às suas teorias. Para elucidar uns e outros, resolvemos procurar o Dr. Osório César. Isto foi precisamente na quinta-feira e, uma vez no pequeno apartamento daquele 7º andar, vimos que não escolhêramos a ocasião com bastante tato... Devíamos saber que as noites de quinta-feira eram eleitas pelos amigos do conhecido médico e crítico de arte para palestras, trocas de ideias, audições musicais. As duas pequenas salas regurgitam nessas noites de artistas plásticos, críticos, escritores... Mesmo assim, fomos recebidos, dissemos a que vínhamos e Osório César começou a falar, enquanto outro Osório César, criado por Carlos Prado, nos fitava enfaticamente, da parede.

- “Antes de mais nada, quero que saibam que não foi o espírito ortodoxo quem me fez assistir a essas sessões mediúnicas. Fui e continuo materialista. O que vi, mesmo o que ainda a ciência de hoje não pôde explicar, não me convence da existência de um outro mundo; os fenômenos inexplicáveis são profundamente materiais. A questão do ectoplasma, por exemplo. É sabido que essa é uma substância que sai do corpo do médium e adquire forma, ou não a adquire, fazendo apenas manchas nebulosas. Constata-se que os médiuns, nessas ocasiões, perdem peso, transpiram extraordinariamente e, durante o transe, ficam como um fio de pulso... Como vêem, o ectoplasma deve ser considerado como coisa fisiológica; Também não sou negativista... A ciência poderá levar-nos amanhã para a conclusão de que existe outra vida. Em todo o caso, acredito que seja uma vida toda material, que venhamos travar conhecimentos com habitantes da quarta dimensão. Nesse ponto, interrompemos o entrevistado: “Yo no lo creo em las bruxas, pero que las hay, las ha!”.

Osório riu, e continuou: “Em meu livro ‘Misticismo e Loucura’, tratei do baixo espiritismo, dei-o como manifestação de pura histeria. Tempos depois da publicação desse livro, fui procurado por um senhor paranaese que me disse: - “O senhor não assistiu nunca a uma honesta sessão espírita, sem fraudes, com fenômenos supranormais. “Desejo proporcionar-lhe a ocasião de assistir uma”. Foi aí que me apaixonei por essas pesquisas. Se existem histéricos, fraudes, etc., engabelando o povo, existem fenômenos insofismáveis que a ciência ainda não explica hoje; poderá explicar amanhã... Em todo caso, não posso mais negar a realidade do que se convencionou chamar de “supranormal”. É necessário, a quem quiser conhecer esses curiosos fenômenos, orientar-se por métodos de base científica, a fim de poder compreender melhor tais manifestações que se produzem além das fronteiras do conhecimento normal do nosso mundo mental e físico.

De acordo com os estudos clássicos dos metapsíquicos, os fenômenos supranormais se acham divididos em duas categorias: materiais ou físicos e psíquicos ou intelectuais. Da primeira categoria são os seguintes fenômenos: golpes nos móveis, nas paredes, no teto, chamados pelos observadores ingleses de “raps”; ruídos diversos como os de raspagens de unhas sobre os móveis, dilareceração de fibras de madeira, etc. Movimentos de objetos sem contato visível (telecinese) como a levitação de um corpo qualquer. Transportes de objetos de um lugar distante; passagem da matéria através da matéria; fenômenos visuais, como emanações desprendidas dos corpos, clarões amorfos e, às vezes, coloridos; materializações de formas humanas, podendo ser luminosas ou escuras; fenômenos que deixam impressões permanentes em moldes de cera, desenhos, etc. Mudanças sensíveis de temperatura, ondas de perfumes, etc. Na segunda categoria, entram os fenômenos subjetivos: Incorporação (personalidades já falecidas que se comunicam através do médium em estado de inconsciência); escrita automática (médium em estado de consciência escreve sem que, nisso, influa o seu estado mental); voz direta (entidades que materializam apenas os órgãos vocais e falam através de megafones ou sem eles, com timbres muitas vezes atribuídos como sendo de pessoas conhecidas).

A manifestação da voz direta é a mais assombrosa de todas as manifestações mediúnicas de natureza subjetiva. Para que se produzam quaisquer desses fenômenos supranormais, é necessária, acima de tudo, a presença de um médium. Diz Geley que o médium é um ser “cujos elementos constitutivos, mentais, dinâmicos, são capazes de se descentralizarem momentaneamente”. Além da presença do médium, é necessário que o observador siga as seguintes condições: organizar um grupo no máximo de seis pessoas; orientar as pesquisas cientificamente, sintonizar o ambiente com o fito elevado de conhecer a verdade; escurecer completamente o local dos trabalhos. Excepcionalmente quando o médium é poderoso, operar à luz vermelha na penumbra. As experiências demonstram que a luz branca é nociva ao médium em estado de transe e dissolve rapidamente o ectoplasma. Deve-se vibrar o ambiente com ondas sonoras para apressar e facilitar a produção dos fenômenos; e evitar concentração do pensamento. “Palestrar o tempo todo até a aparição dos primeiros fenômenos”. Osório levanta-se, esparrama os olhos pelos seus amados quadros, interrompe-se para explicar que um deles, que apresenta uma estranha mulher meio alga, meio mulher, meio sereia, meio deidade, é de France Dupaty, depois retorna ao assunto da entrevista:

- “Como sabe, não é de hoje que me interesso por essas questões metapsíquicas. O meu fito principal por esses estudos é exclusivamente de caráter científico. Os métodos adotados em minhas experiências tem sido mais ou menos os mesmos descritos nas obras de Geley e Mme. Brisson. Já tendo visto, constatado, fotografado nas minhas sessões quase tudo que os homens de ciência da Europa e da América viram, observaram e estudaram em relação às manifestações metapsíquicas. Refiro-me àqueles homens de ciência que dedicaram uma boa parte de suas vidas ao estudo científico da mediunidade, como William Crooks, Richet, Geley, Schrenck-notzing, etc. As minhas observações têm sido orientadas na categoria dos fenômenos teleplásticos. E, nesse sentido, já obtive inúmeras fotografias que atestam a realidade de tais fenômenos. A gênese teleplástica dos fenômenos de corporificação é ainda um problema muito sério para os estudiosos da metapsíquica. Muitíssimo pouco se sabe até agora das leis que determinam as produções desses fenômenos, que contradizem, até certo ponto, os nossos clássicos conhecimentos de Biologia e de Física. Indiscutivelmente, há uma força inteligente, autônoma, que dirige, organiza e plasma essas produções ideoplásticas, sem absolutamente provir do consciente do médium. A mediunidade, segundo penso, é uma rara qualidade sensitiva de atração, peculiar ao reino animal e dirigida no sentido de captar, condensar, organizar, desenvolver certas energias que oscilam no éter em intensidades não perceptíveis aos nossos comuns sentidos, para poder produzir fenômenos subjetivos e materiais de duração efêmera.

O estado de transe também é, no meu modo de pensar, uma particularidade fisiológica supranormal, que a maioria dos médiuns apresenta, a fim de facilitar a transformação de intensidade dessas energias oscilando no éter. Há quem veja no fenômeno da incorporação uma simples manifestação de dupla personalidade, revelações do inconsciente, etc... A ciência não chega a uma conclusão”.

- “De modo que...”

Interrompemos, e fomos interrompidos:

- “De modo que os espíritas continuam a enxergar com os olhos da fé e a explicar com Allan Kardec o que nós preferimos deixar para a ciência do amanhã resolver...”

Quando saímos do apartamento de Osório César, àquela hora da noite, parecia-nos que ectoplasmas cirandavam à nossa volta...

“Yo no creo em las bruxas, pero que las hay...”

Folha da Manhã. São Paulo – Terça-feira, 15 de Janeiro de 1946.


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